Pisca-pisca

Acabo de lançar um livro, de fazer um show com músicas do Clube da Esquina, e de completar 13.000 quilômetros pedalados por estradas e trilhas de Mountain Bike. Não é pouca coisa para uma pessoa normal como eu, e provoca uma sensação de espanto maior ainda quando consideradas as condições que estavam e ainda estão presentes em minha vida (corpo e alma) influenciando praticamente tudo o que faço.

A sensação que tenho é que hoje minha vida é como uma luz que pisca: ora acende, ora apaga. Nos momentos em que ela acende eu consigo realizar coisas normais e até extraordinárias, nos momentos em que se apaga eu não consigo realizar o mais ordinário ou cumprir as simples rotinas de uma vida normal.


A boa notícia é que os momentos em que a luz se acende tem sido cada vez mais frequentes e duradouros e tenho aprendido a conviver com isso de uma maneira nova, mas necessária e produtiva.

Primeiro eu preciso identificar quando a luz se acende. Eis uma oportunidade para fazer alguma coisa legal, prazerosa, produtiva e que satisfaz. As horas passam, os dias passam, as semanas, e essas janelas vão surgindo, às vezes de repente e por vontade própria. Pode ser uma coisa simples como acordar de bom humor, ou sentir por dentro uma disposição para planejar e executar alguma coisa.

Pode ser lavar o carro, a bike, ou fazer um show, uma palestra, ou até mesmo fazer um passeio com minha família. Essas janelas (quando a luz acende) podem durar minutos, horas, dias. Tudo depende da flexibilidade do rabo da lagartixa (como diz um amigão meu), ou seja, é absolutamente imprevisível, por isso estou aprendendo que tenho que identificá-las, porque elas se vão, sem aviso, até que surgem novamente numa hora em um dia qualquer.

Segundo é recomendável que eu tente provocar essas luzes e fazê-las acender usando algum recurso interior ou exterior e o autoconhecimento ajuda muito nisso. Conhecendo minhas preferências, meus medos, ou minhas manias posso tentar criar, mesmo que artificialmente, momentos em que serei produtivo e feliz. Isso significa que não devo ficar apenas esperando a luz se acender, algo que é muito difícil para quem tem depressão. Preciso usar o pouco de forças e disposição para sair e provocar algo, mesmo que seja fazer um café.

Honestamente, hoje me vejo em condições de provocar alguns momentos de produtividade e ação, mas há algum tempo atrás era impensável. Com o tratamento, terapia e medicação cheguei a um estágio em que consigo (às vezes) fazer coisas e aproveitar momentos assim. Marco passeios com a família em minha agenda Google, marco pedais com os amigos, shows, planejo escrever outro livro, e me esforço para atender aos compromissos já assumidos. Provocar a luz, abrir a janela, coisas nem sempre possíveis, mas necessárias. Estou aprendendo.

Terceiro eu preciso aproveitar os momentos em que a luz acende (ou a janela se abre). Como no pisca-pisca uma certeza tenho: a luz vai se apagar de novo. Quando se apagar nada vai acontecer, a vontade vai embora e sair de casa será coisa para Hércules. Luz acesa, janela aberta, hora de sair, pegar sol, ir ao cinema, escrever, fazer show, tomar café com amigos, limpar o quintal, lavar a bike, fazer a barba, brincar com meus filhos, e passear com minha esposa.

Hora de fazer tudo, de aproveitar a chance, de colocar perfume e uma roupa legal. De fazer oração, falar com Deus, ler a Bíblia, cantar, ligar para os amigos e andar descalço. É hora de sorrir, de fazer planos, de sonhar, de acreditar, de ter fé, de deixar de sobreviver e viver de verdade, de saborear o significado das coisas, da vida, e da existência mais essencial. Hora de tomar os remédios com esperança e tranquilidade, de fazer exames, de ir ao psiquiatra e acreditar no que ele diz. Quando a luz acende é hora de recomeçar, tentar de novo, insistir, dar uma banana para as críticas (principalmente as minhas próprias), e decidir ter o direito de errar novamente, se acontecer.

Identificar quando a luz acende, provocá-la para que acenda, e aproveitar quando ela acender. Tão difícil quanto necessário, mas é assim agora, e eu não tenho culpa disso, tenho apenas a clareza de que é melhor eu aprender a viver usufruindo das luzes e desses momentos divinamente oferecidos a mim. Não devo desperdiçar, por nada.

Contato: danielglimajr@gmail.com / Conheça o livro "Quando a gente Muda" / Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição - Não Comercial - Compartilha Igual 4.0 Internacional