Minha flor amarela
Um dia desses pela manhã eu abri a janela do meu quarto e vi, na calçada do outro lado da rua, uma pequena flor amarela, simples, bonita e solitária.
Apesar de ter sido criada pelo mesmo Deus de todas as outras, apesar de ser biologicamente igual a todas as outras, apesar de depender do sol, da chuva, e dos ventos como todas as outras, e apesar de ter vida como todas as outras, provavelmente não valerá o que muitas outras valem. Por ter nascido livremente na calçada e não ser rara, não pagarão um centavo por ela. Na verdade, apesar de estar ali, provavelmente pouca gente vá notar sequer sua existência. Ela não é espetacular, não é excepcional, não é extraordinária, não é exclusiva.
Não sei se já notou, mas estamos cada vez mais tratando as experiências e coisas ordinárias (no bom sentido da palavra: aquilo que é de todos os dias; regular; frequente, não raro; habitual; comum) como algo de segunda categoria. Muitos fazem isso com seus bens materiais, com o lazer, com as pessoas, com a igreja, com a vida devocional (ou interior), ou com o culto (devoção). Como resultado dessa forma de enxergar as coisas, precisam de doses cada vez maiores de tudo, desde o vídeo game até o louvor do culto de domingo.
Leia o que Eugene Peterson diz em seu livro A Vocação Espiritual do Pastor: "O trabalho pastoral consiste de tarefas modestas, diárias e determinadas". Eu vou humildemente acrescentar que, o que sustenta de verdade a vida espiritual de uma pessoa são as coisas modestas, diárias e determinadas, e não o extraordinário. Às vezes tenho a desconfiança de que Deus se entristece com nossa insistência em não valorizar o cotidiano. Como um pai que dá um presente para o filho e, pouco tempo depois, o vê entediado, Deus deve se sentir desprestigiado quando ouve nossos pedidos insistentes por novidades ou por coisas fantásticas.
Muitas igrejas não são mais medidas pelo seu compromisso sério com o ensino das Escrituras, mas pela quantidade de coisas extraordinárias que realizam. Muitos pastores não são mais medidos pelo pastoreio, mas pela capacidade de promover coisas espetaculares, e não são apenas eles: pais, mães, maridos, esposas, filhos, profissionais, e até amigos sofrem a mesma pressão.
Eu declaro para os devidos fins que estou fora. Fiz minha opção pelo pastoreio e pela vida do dia a dia, pelo crescimento pessoal que vem das coisas cotidianas sem me privar das extraordinárias. Somente o necessário (lembra da musiquinha de Mogli, o Menino Lobo?) é muito bom, e o extraordinário (que é demais) também pode vir, mas não quero deixar de apreciar as flores das calçadas.
Fernando Brant estava em Diamantina e da janela lateral do quarto de dormir viu uma igreja e um cemitério (sério? Fez música olhando para um cemitério?), fez uma letra inesquecível musicada por Milton Nascimento. Eu peço autorização para, da janela lateral do meu quarto de dormir, apreciar a plantinha de flores amarelas que ainda insiste em viver na calçada do outro lado da rua.
Obrigado Deus, por essa plantinha! Ela me ensinou como é boa e bela a vida que o Senhor nos deu.
Contato e comentários: danielglimajr@gmail.com
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