Não faça perguntas

Depois de viver vinte anos em seis me convenci definitivamente de que uma das maiores demonstrações de amizade é não fazer perguntas. Depois de ganhar novos, perder outros e manter os autênticos e imortais (mesmo os distantes), percebo hoje com clareza a importância deles: meus amigos. Não ouvir perguntas é uma das coisas mais desejáveis quando tenho recaídas, mesmo as menores e, além de não dar pra ficar me explicando o tempo todo porque não quero, também não tenho respostas pra tudo.

As principais razões para você pensar seriamente em ser amigo sem fazer perguntas são relacionais. O amigo que não faz perguntas está interessado no outro, sem explicações e justificativas. Ter que explicar tem cheiro de inquérito e isso não faz parte da amizade. Explicações e justificativas podem matar a amizade. A sensação é de que o amigo só manterá sua condição se explicar, e o medo, a aflição e a ideia de que se está em dívida tornam o clima pesado e, cansado das exigências, o amigo vai embora ou formaliza a relação.

Formalizada a relação, cria-se regras, havendo regras morre a amizade.

Essa é uma das razões porque gosto tanto de encontrar e fazer amigos no pedal. Explicações? Sobre a Bike. Justificativas? Apenas sobre a "compra daquele terreno" (pergunta pra quem conhece). Já escrevi em outras ocasiões sobre como valorizo esses amigos:


Peço perdão pelo cliché adaptado, mas "não faça perguntas, faça amigos". Veja bem se os melhores momentos com os amigos não são aqueles sem perguntas difíceis, porquês, mínimos detalhes e até responsabilidades? Essas coisas costumam ser cruéis com as relações entre amigos. Como não poderia deixar de acontecer eu também vou aprimorando minha habilidade para não fazer perguntas. Como não se faz? É só não fazer. Não fazer é a coisa mais difícil de se fazer e pouca gente sabe. Muita gente sabe fazer, mas são raros os que sabem não fazer.

A liberdade, tão necessária nas relações de amizade, vive se alimentando da ausência de perguntas e oferecendo aos amigos momentos de simplicidade, respeito, franqueza e amor. É do que todos precisamos. Sim, sem perguntas, por favor. Não vou mais fazê-las.

Encerro citando uma experiência vivida pelo escritor americano Philip Yancey. Ele conta que certa vez estava na Índia observando o trabalho de um homem. Eles estavam sozinhos quando uma outra pessoa chegou ao local, os cumprimentou, se assentou e passou a observar aquele homem, seu amigo, durante bastante tempo. O escritor diz que ficou esperando, esperando, e esperando algo acontecer, uma conversa, uma observação, uma pergunta talvez, mas nada. Depois de muito tempo o homem se levantou e disse: "Pronto! Já te vi", e foi embora.

Eu dou risada sempre que tento imaginar a cena e a cara de pastel do ocidental ali sentado. Foi uma demonstração excepcional de amizade autêntica e, por que não, explícita. O Homem foi ver seu amigo e vendo-o não precisava de perguntas, nem sequer uma palavra. É claro que esse é um comportamento próprio de uma cultura e pode não ser comum em outras, mas eu aprendi muito e tento desde então diminuir minhas palavras especialmente as inquisidoras.

Não faça perguntas, faça amigos. Que aprendamos e pratiquemos.


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